Meias Velhas
Era um dia fora do comum em relação aos dias anteriores do ano. Fim de maio, os termômetros
já começavam a pregar umas peças.
Sozinho com seus pensamentos, sentando meio sonolento, ainda 6h38 da manhã, perdido em uma nuvem de frio
que o cercava ardentemente a semiótica de sua mente. Ainda mais para Jung que
para Freud, com o olhar perdido para a bacia de roupas limpas. Embora já
estivesse trocado com o uniforme da escola, sabia que aquele dia, se a meia não
fosse bem gostosa e quentinha ia passar muito frio: "odeio frio no pé" pensou. Pegou a meia
velha nas mãos, mas ao abrir percebeu o furo na meia, bem discreto, mas
perceptível a qualquer pessoa que o visse sem sapatos e logicamente como
Murphy determina, aquele era dia de esportes e seus pés ficariam a mostra
em meio aos colchonetes. Observou atentamente as meias novas... lindas,
autênticas, vistosas.
Neste momento seus pensamentos distantes são interrompidos pelos
gritos sussurrantes de sua mãe para não acordar o pai que sai um pouco mais
tarde:

“ – Tá querendo atrasar de novo, moleque!!!! Vamos
embora, coloca logo esta porcaria, até parece que nunca escolheu meias!”
Obviamente a mãe não entenderia que as pessoas iriam ver a
meia furada, então, mais que depressa passou a mão nas novas e seguiu seu
caminho. A peça selecionada foi colaca no carro, entre meio pão adormecido e um
copo de yogurt que engoliu no percurso curto, porém demorado.
Quando saiu do carro, sentiu um desconforto enorme. As
novas meias não eram tão macias quanto a antiga, ainda não tinha ganhado o
formato do pé, amaciado com a lavagem, nem ganhado uma marca personalizada: a
medalha de honra – o furo do chulé! Ela apertava, era meio áspera e não
esquentava tão bem. O casamento entre esta e seu calçado, era um erro, fadado
cruelmente ao divórcio. Na aula de esportes, possou frio, pois ficou sem as meias, já que a nova combinação tinha formado bolhas
em seus pés.
Por ser menino muito ativo, Júnior nunca sentia frio, mas
quando seus pés estavam descobertos... isso o deixava muito nervoso e gélido. Passou um dia estressante e ao final da aula de esportes só não
voltou descalço para casa, porque a inspetora de alunos não o deixou ficar sem
seu calçado, mas ele preferiu colocar os sapatos, sem aqueles carrapatos
sugadores de conforto. Mesmo correndo o risco de ficar com chulé quando chegasse
em casa com os pés suados.
No aconchego de seu lar, tomou um banho longo e quente, como
aqueles que tomamos no inverno, que a gente demora para entrar e quando entra
não quer sair. Ao se trocar foi até a bacia, pegou a sua meia
velha, com furo, colocou nos pés e os massageou intensamente, como se somente
aquelas meias, por mais antigas, pudessem trazer a ele o conforto de seu
universo pessoal.
Percebendo tudo aquilo ainda sentindo um calafrio na espinha e um aperto no peito: correu, abraçou a mãe com carinho e pensou: "minha meia velha".
3 comentários:
Gostei muuuuuuuuuito dessa história !
beijos mil !
adorei essa história !!!
bjs
Belíssimo texto!!!
Abraços.
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