quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

EL PERRO


03/05/2006

Naquela manhã fria de outono nada parecia fazer mais sentido, levantou-se como de costume e logo foi se arrumar para trabalhar no armazém do pai. Saiu cedo e muito bem agasalhado pois o local de serviço era gelado, sem vida.
O responsável teve um compromisso e por isso o rapaz teve que abrir o comercio sozinho. Ao chegar, se defrontara com um cão feroz que rosnava pra ele em frente a loja. Há muito não via este cachorro, até pensou que a natureza já tinha cuidado para que ele nunca mais passasse os apertos que passou na infância por causa do animal, estavam os dois ali, cara a cara. Ele pensou em recuar, ir embora, mas o lobo urbano poderia ir atrás dele. Tentou atravessar a rua, para despistá-lo, mas o seu rival não dava trégua alguma, sentou-se imponente em frente ao portão fechado e pôs-se a bravejar
Já estava mais do que na hora das portas se erguerem e se seu pai soubesse que houvera se atrasado o insultaria e o chamaria de irresponsável. Deu uma volta no quarteirão para ver se o bicho resolvia ir embora, quando retornou, lá estava ele observando, cabeça erguida, olhos atentos e orelhas apontando para o céu.
O garoto muito nervoso, mãos suavam como uma bica, o coração praticamente a bateria da Mangueira, as pontas dos dedos: ice bergs. Parecia que nada resolveria seu problema. Uma sensação de angustia, medo, raiva, desespero, impotência. Lembrou-se das aulas de literatura, ´´ no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho...`` e pensou o que Carlos Drummond fez com aquela pedra? Mas logo voltou a se concentrar no seu problema concluindo que: na prática os poemas não servem pra nada. Cachorros? Deles ninguém escreve, pensou. Foi caminhando lentamente, chegando perto, mais perto, lembrou que levava na mochila um pacote de bolachas e talvez esta estratégia resolveria a questão. Nada como filmes não poéticos para ajudar nestes apertos, referindo-se ao filme ``Riquinho´´, não eram salsichas, mas serviam.
Jogou uma com cuidado, mas caiu longe e o melhor amigo do homem, não se deu ao trabalho de ver do que se tratava. Arremessou outra e essa por infelicidade do destino acertou na cabeça do animal que por instinto começou a ir velozmente na direção do guri. Correu em desespro para tentar enganar o cão e gritava para que alguém auxiliasse na sua fuga, vozes ao vento jogadas em vão, nenhuma mão estendida, nenhuma apelo atendido, na nossa grande industria de dês-sabores, na massa da população maquina, que já não vê nada, nem ouve, nem age, nem pensa, simplesmente vive. Que vida? Ele só precisava ser visto, ele só queria que o dono do animal aparecesse, só precisava de ajuda, mas a poluição cegou nossos olhos, o barulho ensurdeceu nossos ouvidos, a passividade acorrentou nossos corpos, a desilusão calou nossas vozes e o odor de sangue deixado pelo fugitivo, era apenas mais um cheiro podre do nosso lixo urbanizado que faz tudo parecer normal, natural e invisível. Levantou naquele dia como se fosse o ultimo, se agasalhou como se tivesse neve, caminhou como se não tivesse destino, atravessou a rua com seu passo de menino, tentou erguer pro céu - as portas, mas acabou na contra-mão pelos dentes caninos da nossa sociedade, não-social.


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